Montargil
O território correspondente à atual freguesia de Montargil é povoado desde a pré-história, destacando-se o período do Neolítico Final (entre os finais do IV milénio a.C. e o início do III), com forte presença do fenómeno megalítico, em particular a edificação de dezenas de dólmenes, dos quais sobressai a Anta 1 de Cavaleiros.
Durante a Época Romana, Montargil esteve inicialmente integrada na província da Hispânia Ulterior e, mais tarde, já no final do século I a.C., na da Lusitânia, administrada diretamente pelo imperador e cuja capital política foi Emerita Augusta (Mérida); finalmente, com a criação de novas subdivisões judiciais no interior de cada província, os conventos, Montargil situou-se numa região de fronteira, designadamente entre o conventus Scallabitanus (Santarém) e o conventus Pacensis (Beja). Atravessariam o território montargilense duas importantes estradas romanas. Uma delas passava, longitudinalmente, junto a Perna Seca, a norte de Montargil, estabelecendo a ligação entre Emerita Augusta (Mérida) e Scalabis (Santarém) e, a partir desta, a Olissipo (Lisboa), conhecendo-se razoavelmente bem o seu trajeto. A outra, com uma orientação norte-sul, unia Ebora (Évora) a Sellium (Tomar), passando junto a Mesas (Serra de Montargil) mas estando o seu percurso por identificar com maior rigor. A descoberta da necrópole de Santo André (50-120 d.C.), na década de 1970, confirma a existência local de “populações romanizadas”, ou seja, de grupos autóctones cujos comportamentos refletiam já uma certa adaptação à cultura romana. As escavações aqui realizadas demonstraram uma cultura material constituída quer por objetos de produção local (cerâmica), quer por objetos importados do Norte de Itália, do Sul de França e do Sul de Espanha (vidro e Terra Sigillata). Contudo, esta descoberta e outras do mesmo período não são suficientes para confirmar a existência de um núcleo urbano que, por exemplo, se fizesse representar no conventus.
No contexto de desagregação que se seguiu à queda do Império Romano, Montargil, tal como o território do restante concelho de Ponte de Sor, tornou-se um lugar aparentemente despovoado durante séculos. No quadro da chamada “reconquista”, estando as regiões próximas do Tejo ainda sob a constante ameaça muçulmana, D. Sancho I ordenou a ocupação de Montalvo de Sor em 1199. A sua localização tem sido bastante discutida, sabendo-se apenas que se situava entre Canha e o Tejo. Uma das hipóteses é o lugar de Montalvo, freguesia de Montargil, que se situa junto da margem direita da Ribeira de Sor. No entanto, a ausência de outras evidências e a dificuldade de localização de Montalvo de Sor levam a crer que esta tentativa de povoamento não passou disso mesmo, ou então que se realizou num outro local.
Entre a segunda metade do século XIII e meados do século XIV, resultado de uma aparente harmonia social, do aumento da produtividade agrícola e da melhoria dos transportes e comércio, a população portuguesa conheceu uma fase de crescimento. Foi neste período que Montargil surgiu novamente como uma região povoada e que progressivamente conheceu algum desenvolvimento populacional. Reflexo disso mesmo é a doação do padroado da sua Igreja Paroquial, dedicada a Santo Ildefonso, à Ordem de Avis em 1304. A Ordem Militar passou desta forma a administrar os rendimentos paroquiais e a determinar a escolha do seu pároco. O Padre Carvalho da Costa, autor da Corografia Portugueza (1708), refere a outorga de carta de foral em 1315, por D. Dinis, acontecimento que a historiografia ainda não conseguiu comprovar. De qualquer forma, em 1332, o concelho de Montargil, que se terá constituído a partir do desmembramento do de Santarém, encontrava-se já instituído e intercedeu junto de D. Afonso IV, para que o rei concedesse privilégios aos seus almocreves, de forma a assegurar-se o regular abastecimento de carnes. Mais tarde, em 1372, o senhorio de Montargil foi doado ao cavaleiro João Esteves pelo rei D. Fernando, como forma de recompensa pelos serviços prestados à Coroa.
Provavelmente tendo em conta a conjuntura favorável de Quinhentos, Montargil foi elevada a vila nas primeiras décadas do século, contando já com 85 fogos no tempo de D. Manuel (1495-1521), o que corresponderia a um total de 350 a 400 habitantes. D. João III confirmou este crescimento, permitindo, por carta de 13 de Julho de 1542, que a vila pudesse eleger os seus juízes e oficiais, ter bandeira e selo e levantar pelourinho. Este último, símbolo da autonomia municipal, pode ser contemplado atualmente na Praça da Restauração, embora já não mantenha o seu aspeto original. A fundação da Misericórdia de Montargil, em 1575, é outro marco que atesta a crescente importância relativa da vila durante a época moderna, não tanto pela fundação em si, visto que as misericórdias se disseminaram por todo o território nacional, mesmo em pequenas povoações, mas pelo facto de dispor de recursos económicos suficientes para erguer primeiro uma Igreja (1578), um dos mais belos imóveis da freguesia e, mais tarde, um Hospital (finais do século XVIII).
De acordo com a resposta do pároco local ao inquérito que deu origem às Memórias Paroquiais de 1758, a vila de Montargil contaria então com 532 habitantes; no total, o concelho, no qual não existiria nenhuma outra povoação, mas antes um conjunto de várias dezenas de herdades, incluiria cerca de 1330 habitantes.
No quadro da reforma administrativa liberal, o concelho de Montargil foi extinto em 1855 e integrado no de Avis; só em 1871, na sequência de um pedido dirigido ao Governo pela maioria dos eleitores da freguesia, passaria a depender de Ponte de Sor, tendo em conta a maior proximidade a esta sede de concelho e ao caminho-de-ferro. Apesar da perda de importância administrativa, a freguesia parece ter acompanhado o crescimento demográfico da população portuguesa, atingindo cerca de 2100 habitantes em 1890.
Ao longo da primeira metade do século XX, a economia montargilense manteve o seu carácter predominantemente rural. As principais atividades tinham um carácter sazonal, como a cultura cerealífera, essencialmente canalizada para panificação, a extração da cortiça ou a produção do azeite. Embora tenha existido um esforço de maquinização da lavoura alentejana, sabendo-se, por exemplo, que em Montargil se registaram algumas debulhadoras mecânicas entre 1922 e 1950, permaneceram muitos dos modos de produção arcaicos. Tal é confirmado pelo número elevado de moinhos que continuaram a laborar e pelo facto de a indústria da panificação ter mantido a utilização de fornos de origem pré-industrial.
O facto mais marcante da história recente desta freguesia foi a construção da imponente barragem de Montargil, que alterou radicalmente a geografia local, criando-se um lago artificial com uma capacidade total de mais de 164 milhões de metros cúbicos de água. Esta obra foi promovida pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, visando, por um lado, promover a eletrificação dos meios rurais e, por outro, aumentar a rentabilidade agrícola, quer através da maior disponibilidade de água, quer em consequência da eletrificação, que permite a modernização da maquinaria. O levantamento topográfico do vale do Sorraia foi realizado ainda no final dos anos de 1930, mas o projeto da barragem só foi lançado em 1954, ficando esta concluída quatro anos mais tarde.
A rica e longa história de Montargil reflete-se naturalmente no património edificado da freguesia, começando pelo megalítico e destacando-se o de caráter religioso. A Igreja Matriz data, pelo menos, de finais do século XVI, tendo sofrido obras no século XVIII, altura em que foram levantados o altar-mor, em mármore, as duas capelas laterais e os dois altares colaterais em estilo barroco-joanino; no exterior do edifício, sobressai a grade em ferro forjado que protege a janela da sacristia, do tipo caraterístico do século XVII. A Capela da Santa Casa da Misericórdia, incluindo também o Consistório e o Hospital, consiste numa obra com elementos de cariz maneirista, dos finais do século XVI, ainda que refeita no século XVIII; o interior foi intervencionado no início da década de 1990, sendo ainda visíveis os restos alterados do altar-mor em alvenaria, provavelmente do século XVIII. Ainda no plano da arquitetura religiosa, importa referir também a Capela de S. Sebastião e as ermidas de S. Pedro e St. António, todas datadas, pelo menos, da centúria de setecentos, merecendo especial destaque esta última, alvo de uma recente intervenção de restauro (2011). Situada num ponto alto e com uma vista privilegiada, a Capela de St. António apresenta um altar-mor em talha barroca dedicado ao santo da invocação, bem como uma pintura a fresco alusiva ao mesmo santo, original do século XVII e ocupando toda a cúpula que cobre a capela-mor.
Bibliografia:
- FAÍSCA, Carlos Manuel – «Introdução». Montargil na rota do sagrado. Montargil: Associação Nova Cultura de Montargil, 2011.
- NORTE, Isabel Fernanda Ferreira – Inventário histórico-artístico do concelho de Ponte de Sor. Ponte de Sor: Câmara Municipal de Ponte de Sor, 1993. (trabalho policopiado)
- PAIVA, José Pedro (coord.) – Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2005. Vol. 4, p. 269 e 309.
Ana Isabel Coelho Silva (Historiadora), abril 2014