Galveias
A vila de Galveias situa-se na encosta de uma colina fértil, na margem esquerda da Ribeira de Sor, distando 12 km de Ponte de Sor. Foi sede de concelho autónomo até 1836, data em que este foi extinto e anexado, como freguesia, ao de Ponte de Sor.
Em 1708, na Corografia Portugueza, Carvalho da Costa apresenta-a como «a muito amena, & saluberrima Villa das Galveas, que antigamente foy Aldea no termo de Aviz, chamada Villa Nova do Laranjal, por ser muito abundante de frutas de espinho, & estar quasi cercada de hum alegre valle, povoado de muitos pomares de excellentes frutas». Na verdade, apesar de a produção de laranjas estar tradicionalmente associada a Galveias, a ponto de esses frutos figurarem no brasão da Freguesia, não há registo de que a povoação se tenha designado Vila Nova do Laranjal. Nos séculos XII e XIII, no contexto da Reconquista Cristã e da entrega às ordens religioso-militares de vastas extensões territoriais da Beira Baixa e do Alentejo, as áreas correspondentes às atuais freguesias de Galveias e Montargil ficaram integradas no património da Ordem de Calatrava, depois conhecida por de Avis. Mais concretamente, segundo Mário Saa, a propriedade de Cabeças da Galveia, como então seria chamada, foi adquirida pelo Convento de Avis no final do século XIII, ao Cavaleiro Leonigo Afonso, por escambo ou troca. Era Mestre da Ordem D. Frei Lourenço Afonso, que, em 1304, com a intenção de povoar a terra, à qual por isso foi também atribuído o nome de Póvoa do Mestre, a deu de foro a quem nela viesse morar, tendo-lhe fixado um termo e definido as obrigações dos foreiros em relação à Ordem, nomeadamente, o pagamento de determinados tributos. Porém, a povoação ter-se-á desenvolvido lentamente. No quadro da diminuição geral da população nacional, desde o final do século XIV e ao longo do XV, há informações de que o despovoamento se fez sentir em Galveias. A população ter-se-á dirigido ao rei, queixando-se de que o lugar era frequentemente devassado pelos caminhantes e requerendo privilégios para que pudessem estabelecer ali uma estalagem. O pedido foi deferido por alvará do rei D. João I de 1421, estando na origem da conhecida Estalagem do Cantarinho. Nos reinados seguintes, os privilégios concedidos foram reforçados e a povoação cresceu, aparecendo referida no Foral da Vila de Avis, Benavila e Galveias, dado por D. Manuel I em 1512. Finalmente, em resposta a novo pedido dos moradores, D. João III, por carta régia de 2 de outubro de 1538, autonomizou Galveias em relação à vila de Avis e concedeu-lhe o título de Vila das Galveias, dando-lhe jurisdição própria, com direito a «levantar forca, pelourinho, bandeira e outras insígnias que têm as Vilas».
Testemunho do desenvolvimento da povoação é a fundação da Santa Casa da Misericórdia de Galveias, ocorrida no reinado de D. Manuel I, como sugere o alvará de confirmação do rei D. Sebastião, de 13 de novembro de 1576. Exatamente por esta altura, o mesmo monarca, a pedido dos dirigentes da instituição e das autoridades locais, anexou o Hospital existente na vila, possivelmente de criação recente, à Misericórdia de Galveias, que passava a administrá-lo (alvará de 11 de abril de 1575, confirmado por D. Filipe I, em 1589).
O título de Conde de Galveias foi criado por D. Pedro II, em 1691, tendo sido atribuído pela primeira vez a D. Dinis de Melo e Castro (1624-1709), general da Guerra da Restauração, «em premio de seus grandes serviços». Houve dez nobres deste título, o último dos quais, D. José Lobo de Almeida Melo e Castro, falecido em 1940.
Entre os protagonistas da história mais recente da freguesia de Galveias, destaca-se a Família Marques Ratão, constituída na segunda metade do século XIX, a partir do casamento de Manuel Marques Ratão com Maria Clementina Godinho de Campos. Os cinco filhos deste casal, que não tiveram descendentes, herdaram e geriram um vasto património, ligado à Casa Agrícola Marques Ratão e que acabou por reverter para a Freguesia de Galveias, quer através da Fundação Maria Clementina Godinho de Campos, atualmente com o estatuto de IPSS, fundada em 1956 por três dos irmãos e com uma ação de caráter social, quer, sobretudo, por via do legado de José Godinho de Campos Marques, que por testamento de 1965 instituiu sua universal herdeira esta Freguesia.
Do património edificado de Galveias, destaca-se a arquitetura religiosa, dos séculos XVII e XVIII, cujo expoente máximo é a Capela da Santa Casa da Misericórdia, classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1977. Edificação barroca, que obedece à habitual configuração das Misericórdias, com igreja e consistório anexo, esta Capela deverá ter sido reconstruída no decorrer do século XVIII; a data de 1803 inscrita sobre o portal principal poderá corresponder à fachada ou à conclusão de uma campanha de obras iniciada no século XVIII e prolongada, eventualmente, até ao início da centúria seguinte. Tal é sugerido também pela existência de motivos decorativos rococó no interior, em particular nos retábulos dos dois altares. A Capela foi entretanto alvo de obras de restauro, concluídas em 2005. Ainda no que respeita ao património arquitetónico religioso, é de referir o conjunto de capelas rurais barrocas, obedecendo a um modelo simples, que rodeiam a vila: Senhor das Almas (séc. XVIII) e S. Pedro (séc. XVIII), a norte; S. Sebastião (séc. XVII) e S. João (reconstruída em 1945/50), a nascente; St.º António (séc. XVII), a sul; e S. Saturnino (séc. XVIII), a poente. Duas destas capelas (St.º António e S. Sebastião) apresentam frescos nas paredes interiores. E, por último, a Igreja Matriz, dedicada a S. Lourenço, padroeiro da freguesia, construída no século XVI, apesar de muito modificada desde então por diversas obras; entre os seus bens móveis, é de referir a rica e variada paramentaria, dos séculos XVI a XVIII. Na arquitetura civil, sobressai a Casa da Família Braga, construída nos primeiros anos do século XX, edifício imponente, de três pisos e estilo eclético, fundindo elementos clássicos com outros tendencialmente românticos.
Bibliografia:
- ANDRADE, Primo Pedro da Conceição Freire de – Cinzas do Passado. Revisão crítica por Ana Isabel Coelho Pires da Silva. Ponte de Sor: Câmara Municipal de Ponte de Sor, 2010.
- MARQUES, A. H. de Oliveira – História de Portugal. 12.ª ed. Lisboa: Palas Editores, 1985. Vol. I, p. 141-143.
- NORTE, Isabel Fernanda Ferreira – Inventário histórico-artístico do concelho de Ponte de Sor. Ponte de Sor: Câmara Municipal de Ponte de Sor, 1993. (trabalho policopiado)
- PAIVA, José Pedro (coord.) – Portugaliae Monumenta Misericordiarum. Lisboa: União das Misericórdias Portuguesas, 2004-2006. Vol. 3, p. 380; vol. 4, p. 153; vol. 5, p. 243-244.
- SAA, Mário – «Concelho de Avis – Ordem e Cavalaria de Avis – Origem e extensão dos seus territórios». In Album Alentejano. [S.l.: s.n., s.d.]. Tomo III, p. 621.
- SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, [198?]. Vol. IV, p. 27-29.
Ana Isabel Coelho Silva (Historiadora), abril 2014