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Viver

Os moinhos de água de rodízio marcam, desde a Idade Média, a paisagem de alguns dos principais cursos de água do concelho de Ponte de Sor, sobretudo das Ribeiras de Sor e de Longomel. Enquadrados numa rara paisagem verdejante, junto aos respetivos açudes, essenciais para que as águas ganhassem a força suficiente para fazer girar os rodízios, na zona de implantação dos moinhos converge grande parte da biodiversidade da região. Assim, para além dos moinhos em si, podem-se encontrar diversos tipos de aves, algumas espécies de peixes de rio e, ocasionalmente, lontras. Trata-se, portanto, de uma rota que alia o património histórico-cultural ao património natural, onde o viajante pode descobrir como se moíam os cereais panificáveis até meados do século XX, enquanto frui da natureza através de percursos pedestres, com a possibilidade de realizar um pic-nic ou de mergulhar junto a qualquer um dos açudes.

Os moinhos, sobretudo de água, marcam a paisagem natural do atual concelho de Ponte de Sor desde, pelo menos, meados do século XIII e mantiveram um papel económico e social ativo até à segunda metade do século XX. A referência mais antiga de que dispomos à existência de moinhos nos cursos de água da região encontra-se numa carta régia datada de 13 de julho de 1256, pela qual D. Afonso III confirmava ao seu Chanceler, Estêvão Anes, as doações que lhe tinham sido feitas pelo concelho de Abrantes, entre as quais os moinhos que o Chanceler possuía na Ribeira de Sor («molendinos quos habetis in Ripa de Soor»). Séculos depois, o Foral Manuelino de Longomel e Margem (1 julho 1518) mencionava as «moendas e engenhos das águas do dito Julgado e termo», localizadas na Ribeira de Longomel e pertencentes ao senhorio, a Casa de Bragança, não podendo ser construídas sem a sua licença.

Ainda mais expressivamente, os párocos das freguesias de Ponte de Sor e Montargil encarregues de responder ao inquérito das Memórias Paroquiais de 1758, ao descrever a Ribeira de Sor e os seus afluentes, davam conta da existência de mais de uma dezena de moinhos, com destaque mais uma vez para a Ribeira de Longomel, onde, apenas ao longo do percurso que fazia pelo termo de Ponte de Sor, se encontravam seis moinhos, dois lagares e um pisão. Embora o pároco de Ponte de Sor afirmasse não ser a Ribeira, junto à vila, «de curso arrebatado, senão nas enchentes», o de Montargil, vila localizada a jusante, atestava que a Ribeira de Sor era o curso de água mais caudaloso entre o Rio Tejo e o Guadiana, mantendo durante todo o ano as suas águas, «com que continuamente moem os moinhos», ao contrário de outros rios da região, que secavam no verão, impossibilitando o funcionamento da moagem. Tal faria acorrer a esta zona habitantes de «muitas terras da Província de Alentejo», para moer os seus cereais e produzir o seu pão. Ainda em meados do século XVIII, as águas da Ribeira de Sor podiam ser livremente usadas para fins agrícolas ou como força motriz para a moagem, exceto no caso de Montargil, cujos moleiros pagavam uma pensão de 7,5 alqueires de trigo por cada pedra ou mó que moesse esse cereal, prestação devida ao Comendador da vila, ao qual pertencia o direito de exploração das águas. De qualquer forma, sabemos que, pelo menos desde os anos de 1830, a utilização da água da Ribeira de Longomel estava regulamentada através de posturas e deliberações municipais, havendo dias próprios para a rega, em particular da cultura do milho, e outros para deixar que a corrente ativasse os moinhos que se situavam a jusante; era inclusivamente proibida a construção de açudes que impedissem a chegada da água aos moinhos. O desrespeito por estas normas motivou reclamações junto da Administração do Concelho, contra os lavradores da Ribeira de Longomel, que regavam nos dias proibidos e erguiam açudes, o que, ao inviabilizar o funcionamento da moagem, gerava escassez de farinha em Ponte de Sor. Dados estatísticos oficiais de cerca de 1850 permitem-nos saber que havia então, na Ribeira de Longomel, para além de três lagares de azeite, «doze moinhos de fazer farinha, cada hum com duas e mais pedras a moer»; e que, no concelho de Ponte de Sor, havia dezasseis moleiros, produzindo anualmente 50 moios de farinha ou «pão», com um valor total de cerca de 900.000 réis.

Os moinhos consistiam num bem imóvel, frequentemente aforado ou arrendado pelos seus proprietários a terceiros que estivessem interessados em explorá-los. Assim aconteceu em vários casos no concelho de Ponte de Sor, conforme documentam os cartórios notariais do século XIX, pelo menos. O chamado «Moinho do Paul do Azevedo», por exemplo, moinho de água ou «de fazer farinha» com um pedaço de terra anexo, situado na Herdade do Paul (freguesia de Montargil), pertencente à família Menezes, do Morgado de Ponte de Sor, foi arrendado e depois aforado a vários indivíduos ao longo da centúria de oitocentos. Da mesma maneira, em 1889, são arrendados o Moinho da Pontinha e o Moinho Novo, ambos localizados junto à Ribeira de Sor, com casas e hortas anexas e pertencentes ao grande proprietário local Francisco Vaz Monteiro; os arrendatários eram casais, que pagavam rendas anuais em géneros, mais concretamente, trigo, milho e centeio. Estes últimos são dois dos três moinhos conhecidos como «de Tramaga», localidade do concelho de Ponte de Sor que lhes fica próxima; o terceiro, localizado mais a montante, é o Moinho da Sobreira, cuja envolvente natural era um espaço privilegiado de passeio e lazer, incluindo prática balnear e de pesca, de habitantes de Ponte de Sor e de regiões vizinhas, no início do século XX. Os «Moinhos de Tramaga» ainda hoje existem, embora apenas o Moinho Novo esteja devidamente preservado. De resto, os moinhos do concelho laboravam ainda na segunda metade do século XX, sendo que em 1952, de acordo com um relatório oficial do Ministério da Economia, existiam no território municipal 45 moinhos de água, sendo 27 na freguesia de Ponte de Sor, 17 na de Montargil e apenas 1 na de Galveias. Estes equipamentos, apetrechados na totalidade com 113 casais de mós, moíam anualmente cerca de 615 toneladas de milho, 250 de trigo e 33 de centeio; todos laboravam mais de 200 dias no ano e, quatro deles, mais de 300 dias. A maquia ou pagamento cobrado pelos moleiros era ainda, como historicamente, de 10% do cereal moído. No citado relatório afirmava-se já que a maioria dos moinhos ia tendo cada vez menos trabalho, uma vez que os lavradores, produtores dos cereais, preferiam comprar diariamente nas padarias pão fresco, a fabricá-lo nos seus fornos semanalmente. De qualquer forma, num contexto em que entretanto surgira a moagem industrial, os moinhos tradicionais desempenharam ainda durante algum tempo um papel económico importante, quer porque continuavam a abastecer o sector tradicional da panificação de farinha em rama, mais grosseira (usada na produção do chamado “pão rural”), quer porque constituíam uma válvula de escape para os lavradores quando as fábricas tinham excesso de cereal. Importa referir que, em 1920, foi construída em Ponte de Sor uma Fábrica de Moagem de Cereais e Descasque de Arroz, propriedade da firma Sociedade Industrial, Lda., que incluía uma secção de moagem de farinha em rama, usada pelos moleiros da região na estação quente ou em anos mais secos, quando não havia água suficiente nas ribeiras para a laboração dos moinhos. O sistema, complementar da moagem tradicional, funcionava também à maquia, ou seja, os moleiros deixavam na Fábrica uma percentagem do cereal moído como forma de pagamento. No edifício da antiga Fábrica funciona hoje o Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, que inclui três núcleos de arqueologia industrial, visitáveis, entre os quais o da moagem em rama. Relativamente próximo deste edifício, pouco a jusante da entrada da Ribeira de Longomel na Ribeira de Sor, existe também um pequeno moinho de rodízio, recentemente recuperado pelo Município, que permite ao visitante tomar contato com este tipo de património edificado.

Por último, embora com muito menos expressão do que os moinhos de água e possivelmente apenas para um período mais recente, existiram também no concelho de Ponte de Sor moinhos de vento. Uma escritura notarial de final do século XIX documenta o arrendamento de um moinho de vento nos subúrbios da vila de Ponte de Sor, no lugar de Barreiras, e, sobretudo, em Foros de Arrão, povoação localizada a cerca de 20 km da sede de concelho e que nasceu de um movimento de colonização interna no início do século XX, o moinho de vento ainda hoje existente desempenhou um significativo papel na vida comunitária, estando inclusivamente a ser alvo de um projeto municipal de recuperação, para apropriação e fruição cultural.

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